Projeto de lei que reserva vagas em universidades federais para agentes de segurança pública é inconstitucional e injusto
Dr. Reinaldo de Mattos Corrêa*
Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados pretende reservar 20% das vagas de graduação e pós-graduação dos programas de vestibular das universidades e institutos federais e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para os agentes de segurança pública federais, estaduais e municipais, e seus familiares de 1° grau. O projeto também cria um sistema de bolsas de estudo para esses profissionais nas instituições públicas de ensino superior. O autor da proposta, o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), alega que os integrantes das forças de segurança precisam estar em constante aperfeiçoamento para a melhoria da prestação do serviço público, e que a reserva de vagas resultará em benefícios diretos para a sociedade.
No entanto, o projeto
de lei é inconstitucional e injusto, pois viola diversos princípios
constitucionais, como a igualdade, a impessoalidade, a autonomia universitária,
a liberdade de aprender e ensinar, e o direito à educação. Além disso, o
projeto de lei é discriminatório, elitista, corporativista e antidemocrático,
pois privilegia uma categoria profissional em detrimento de outras, e fere o
princípio da meritocracia, que deve reger o acesso ao ensino superior público.
A Constituição Federal
de 1988 estabelece, no artigo 206, os princípios que devem nortear o ensino no
Brasil, entre eles: a igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas; o respeito à liberdade e apreço à tolerância; a gestão democrática
do ensino público; e a garantia de padrão de qualidade. Esses princípios visam
assegurar o direito à educação, que é um direito fundamental social, previsto
no artigo 6° da Constituição, e que deve ser promovido e incentivado pelo
Estado, com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
O projeto de lei que
reserva vagas em universidades federais para agentes de segurança pública
contraria esses princípios, pois cria uma desigualdade de condições para o
acesso e permanência na escola, ao beneficiar um grupo específico de pessoas,
sem levar em conta as suas condições socioeconômicas, culturais, étnicas,
regionais ou de gênero. O projeto também fere a liberdade de aprender e
ensinar, ao interferir na autonomia das universidades e institutos federais,
que têm o poder de definir os seus critérios de seleção e ingresso, de acordo
com o artigo 207 da Constituição. Além disso, o projeto atenta contra o
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, ao impor uma visão de mundo e
de sociedade baseada na lógica da segurança pública, que pode entrar em conflito
com outras áreas do conhecimento e com os valores democráticos e humanistas que
devem orientar a educação.
O projeto de lei também
é injusto, pois desconsidera a realidade social e educacional do Brasil, que é
marcada por profundas desigualdades e exclusões. Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 11 milhões
de analfabetos, e mais de 50 milhões de pessoas que não concluíram o ensino
fundamental. Apenas 19% da população brasileira tem ensino superior completo, e
esse percentual cai para 10% entre os negros e 8% entre os indígenas. Além
disso, o Brasil tem um dos maiores índices de evasão escolar do mundo, e um dos
piores desempenhos em avaliações internacionais de educação, como o Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Esses dados revelam que o
acesso à educação de qualidade é um privilégio de poucos no Brasil, e que há
uma enorme demanda reprimida por vagas no ensino superior público, que é
gratuito e reconhecido pela sua excelência.
O projeto de lei que
reserva vagas em universidades federais para agentes de segurança pública
ignora essa realidade, e cria uma reserva de mercado para uma categoria
profissional que já tem uma série de vantagens e benefícios em relação a
outras, como salários acima da média nacional, estabilidade no emprego,
aposentadoria especial, plano de carreira, entre outros. O projeto também
desrespeita o princípio da meritocracia, que deve reger o acesso ao ensino
superior público, e que se baseia no mérito e na capacidade de cada indivíduo,
independentemente da sua origem, classe, cor, gênero ou profissão. O projeto
ainda desestimula o esforço e o estudo dos candidatos, que passam a contar com
uma cota que lhes garante uma vaga, mesmo que não tenham o mesmo desempenho que
os demais concorrentes.
O projeto de lei que
reserva vagas em universidades federais para agentes de segurança pública é,
portanto, inconstitucional e injusto, e deve ser rejeitado pelos parlamentares
e pela sociedade brasileira, que devem defender a educação como um direito de
todos e um dever do Estado, e não como um privilégio de alguns e uma moeda de
troca política. A educação é um instrumento de emancipação e transformação
social, e não de manutenção e reprodução de privilégios e desigualdades. A
sociedade brasileira precisa se posicionar diante dessa aberração jurídica, e
exigir que o Estado invista mais na educação pública, gratuita, laica,
inclusiva e de qualidade, que atenda às necessidades e aos interesses de todos
os cidadãos e cidadãs, e que contribua para a construção de um país mais justo,
democrático e desenvolvido.
Em suma, o projeto de
lei que reserva vagas em universidades federais para agentes de segurança
pública é uma proposta que apresenta sérios problemas constitucionais, legais e
sociais. A proposta deve ser rejeitada pelos parlamentares e pela sociedade
brasileira, que devem defender a educação como um direito de todos e um dever
do Estado.
* É Produtor Rural em
Mato Grosso do Sul.