Aspectos psicológicos da problemática indígena: a compreensão mais profunda e abrangente
Dr. Reinaldo de
Mattos Corrêa*
A problemática indígena no
Brasil é um tema complexo e multifacetado, que envolve questões psicológicas,
históricas, antropológicas, políticas, sociais, culturais, ambientais,
econômicas. Não se trata apenas de garantir os direitos territoriais, a
preservação da diversidade étnica e linguística, a autonomia e a participação
dos povos indígenas na sociedade nacional, mas também de reconhecer e valorizar
as formas de vida, de saber, de sentir e de se relacionar com o mundo.
Nesse sentido, os aspectos
psicológicos da problemática indígena são fundamentais à compreensão mais profunda
e abrangente da situação desses povos, bem como para a busca de alternativas e
soluções que respeitem e promovam a saúde mental e o bem-estar. Ignorar ou
desconsiderar esses aspectos é adotar uma perspectiva superficial e limitada,
que pode levar a intervenções inadequadas, ineficazes ou até prejudiciais.
Mas o que são os aspectos
psicológicos da problemática indígena? Eles se referem às dimensões subjetivas,
emocionais, afetivas, cognitivas e comportamentais que estão envolvidas na
experiência dos povos indígenas, tanto individual quanto coletivamente. Essas
dimensões são influenciadas e influenciam os contextos socioculturais,
históricos e ambientais em que os povos indígenas estão inseridos, bem como as
relações com os outros povos, com o Estado e com as instituições.
Alguns exemplos de aspectos
psicológicos da problemática indígena são:
- O impacto do colonialismo,
do etnocídio, do genocídio, da violência, da discriminação, da marginalização e
da precariedade sobre a saúde mental, a identidade, a autoestima, a
autoconfiança e a resiliência dos povos indígenas.
- O processo de aculturação,
de assimilação, de perda ou de reafirmação das tradições, dos valores, das
crenças, dos rituais, das línguas e das cosmovisões indígenas, bem como as
implicações à continuidade e à transmissão da cultura, à coesão e à organização
social, à educação e à comunicação intergeracional e interétnica.
- O enfrentamento dos
desafios, das demandas, das oportunidades e das contradições da sociedade
nacional, da modernidade, da globalização, do desenvolvimento, da tecnologia,
do consumo e da mídia, bem como as repercussões à adaptação, a integração, a
mobilização, a resistência, a autonomia e a participação política dos povos
indígenas.
- A expressão, a
compreensão, a regulação, a valorização e a transformação das emoções, dos
sentimentos, dos afetos, dos desejos, dos sonhos, das fantasias, dos medos, dos
conflitos, dos traumas, dos lutos, das angústias, das esperanças e das utopias
dos povos indígenas, bem como as formas de lidar com o sofrimento, com a dor,
com a alegria, com o prazer, com o amor, com a solidariedade, com a
espiritualidade e com o sagrado.
- A construção, a
reconstrução, a negociação, a diversificação, a pluralidade, a singularidade, a
complexidade e a dinamicidade das identidades, das subjetividades, das
personalidades, das cognições, das memórias, das narrativas, das
representações, das percepções, das atitudes, das motivações, das expectativas,
das escolhas, das decisões, das ações e das interações dos povos indígenas,
tanto entre si quanto com os outros.
Esses são apenas alguns
exemplos, que não esgotam nem abarcam toda a riqueza e a diversidade dos
aspectos psicológicos da problemática indígena. Cada povo, cada comunidade,
cada família e cada indivíduo indígena tem a própria história, a própria
cultura, a própria psicologia, que merece ser reconhecida, respeitada e
valorizada.
Para isso, é preciso que a
Psicologia, enquanto ciência e profissão, se aproxime, se dialogue, se aprenda
e se desafie com os povos indígenas, buscando construir o conhecimento e a
prática que sejam sensíveis, críticos, éticos, interculturais,
interdisciplinares e decoloniais. Um conhecimento e uma prática que não se
imponham, que não se universalizem, que não se reduzam, que não se colonizem,
mas que se questionem, que se relativizem, que se ampliem, que se transformem.
A compreensão da
problemática indígena que desconsidere os aspectos psicológicos dessa
problemática é um tanto superficial, limitada. Ou seja, não busca ir a fundo na
busca de alternativas e soluções aos indígenas. Ao contrário, a compreensão que
considere esses aspectos é mais profunda, mais abrangente, mais humana. Ou
seja, busca ir além na busca de alternativas e soluções que sejam justas,
dignas, democráticas e plurais aos indígenas. Essa é a compreensão que a
Psicologia deve buscar e contribuir, e até mesmo cientistas de outras áreas do
conhecimento científico precisam levar em conta. Porque os povos indígenas precisam conquistarem o território mental (descolonizá-lo até alcançarem a alta autoestima, a saúde plena) se quiserem conquistarem e manterem o território físico.
* É Produtor Rural em Mato
Grosso do Sul.