Longa Sombra da Escravidão: Elite Econômica Brasileira e Legado de Desigualdade
Por Dr. Reinaldo de Mattos Corrêa*
A
herança da escravidão paira como uma sombra sobre a sociedade brasileira. Mais
de um século após a abolição formal, a ideologia escravocrata persiste na elite
econômica, impregnada em uma mentalidade profundamente autoritária e
desigualitária demonstrada recentemente no bolsonarismo. Essa visão perversa,
enraizada desde os primórdios da colonização portuguesa, perpetua a percepção
dos menos favorecidos como subumanos, descartáveis e indignos de oportunidades.
A
colonização portuguesa, com a lógica mercantilista e extrativista, moldou a
formação da elite econômica brasileira. A exploração da mão de obra escravizada
africana foi fundamental à acumulação de riqueza e poder por essa elite,
perpetuou a estrutura social hierárquica e autoritária. A Igreja Católica,
instituição poderosa na época, legitimou a escravidão com doutrinas que
inferiorizavam os negros e os indígenas, reforçou a naturalização da
desigualdade social.
O
racismo científico, com as teorias pseudocientíficas, justificou a escravidão e
a inferiorização dos negros, enquanto o paternalismo, com a visão de que a
elite deve "cuidar" dos pobres, reforçou a dependência e a
subalternidade dos menos favorecidos. O tráfico negreiro, que durou mais de 300
anos, teve o impacto demográfico, social e cultural profundo no Brasil, moldou
a identidade brasileira e deixou marcas que ainda persistem na sociedade
contemporânea.
A
Lei Áurea, promulgada em 1888, aboliu formalmente a escravidão, mas não foi
acompanhada de medidas que garantissem a integração dos ex-escravos à
sociedade. Isso perpetuou a marginalização social e econômica desse grupo,
reforçou a estrutura desigual herdada do período colonial. A República
Velha (1889-1930) consolidou essa estrutura, concentrou renda e poder político nas mãos da
oligarquia agrária, composta por uma elite econômica branca e masculina.
Gilberto Freyre, em "Casa-Grande & Senzala", analisa a formação da sociedade brasileira sob a ótica da miscigenação e do latifúndio, reconheceu as contradições e desigualdades presentes. Florestan Fernandes, em estudos sobre a integração do negro na sociedade de classes, critica o mito da democracia racial e demonstra como a escravidão e o racismo estrutural moldaram a desigualdade racial no Brasil. Lilia Schwarcz, por sua vez, destaca a importância de analisar a escravidão em diferentes contextos, incluindo o urbano, para compreender as nuances e os impactos.
O
Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, com um índice de Gini elevado e
uma concentração de renda nas mãos de uma pequena parcela da população. Essa
disparidade se manifesta em diversos aspectos da vida social, como no acesso à
educação, saúde, moradia e oportunidades de trabalho. A violência contra
negros, indígenas, mulheres e LGBTQIA+ é uma realidade cotidiana, resultado do
racismo estrutural, do sexismo, da homofobia e da transfobia que permeiam a
sociedade brasileira.
Aniquilar
a herança da escravidão exige o compromisso amplo e duradouro com a justiça
social, a igualdade de oportunidades e o respeito às diferenças. Por meio de
políticas públicas eficazes, como reforma tributária progressiva, programas de
transferência de renda e inclusão social, podemos construir o País mais justo e
inclusivo. Cabe ao governo, por exemplo:
-
Investir em educação de qualidade para toda a população, com foco na redução
das desigualdades educacionais, é crucial para romper o ciclo de pobreza e
exclusão. Ampliar o acesso à saúde pública de qualidade, com foco na atenção
básica e na universalização do atendimento, também é fundamental para garantir
o bem-estar da população;
-
Garantir o acesso à moradia digna para toda a população, por meio de programas
de habitação popular e políticas de urbanização, é essencial para combater a
desigualdade social. Implementar políticas que promovam a educação à
diversidade e o respeito às diferenças em todos os níveis de ensino é
fundamental para construir uma sociedade mais tolerante e justa;
-
Ampliar a participação civil nos processos decisórios, por meio de mecanismos
de democracia participativa como plebiscito, consulta pública e conselho
popular, é crucial para fortalecer a democracia brasileira. Democratizar a
mídia para garantir o acesso à informação e à pluralidade de ideias é
fundamental para combater a manipulação e a desinformação. Combater a corrupção
e a impunidade, que fragilizam as instituições democráticas, é essencial para
construir o País mais justo e transparente.
Superar
a ideologia escravocrata e os efeitos nefastos dela na sociedade brasileira
exige o compromisso amplo e duradouro com a justiça social, a igualdade de
oportunidades e o respeito às diferenças. Com políticas públicas eficazes,
educação crítica e emancipatória, participação popular e combate à corrupção,
podemos construir o Brasil mais justo, inclusivo e democrático.
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É Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.