Impacto Psicossocial das Escolas Cívico-Militares: Análise Psicanalítica

                            Reinaldo de Mattos Corrêa*

Introdução

A proposta de implantação de escolas cívico-militares em Dourados, aprovada pela Câmara Municipal, desencadeia um debate acalorado sobre os impactos dessa medida na educação e na sociedade. A Psicanálise, com a lente voltada para a subjetividade humana e os processos inconscientes, oferece a perspectiva singular para compreender as potenciais consequências psicológicas dessa iniciativa.

Subjetividade em Jogo: Perspectiva Psicanalítica

A Psicanálise nos ensina que a infância e a adolescência são períodos cruciais à formação da personalidade. A escola, nesse contexto, desempenha a função fundamental ao fornecer o ambiente propício à construção da identidade e o desenvolvimento das capacidades cognitivas e emocionais. Ao adotar o modelo educacional militarizado, as escolas cívico-militares impõem a estrutura rígida e hierarquizada que pode comprometer significativamente esse processo.

Repressão da Subjetividade e Sufocamento da Criatividade

A ênfase na disciplina, na obediência e na uniformidade, características marcantes do ambiente militar, pode levar à repressão de desejos, sentimentos e impulsos, prejudicando o desenvolvimento de uma subjetividade saudável. A Psicanálise nos mostra que a repressão pode gerar angústia, neuroses e outros sofrimentos psíquicos. Ao exigir que os alunos se adaptem a um padrão único, as escolas cívico-militares podem sufocar a criatividade, a espontaneidade e a capacidade de questionamento, elementos essenciais para um desenvolvimento psicológico pleno.

Superego Militarizado e Perda da Autonomia

A imposição de regras rígidas e a valorização da autoridade nas escolas cívico-militares podem levar à formação do superego excessivamente rígido e punitivo. O superego é a instância psíquica que internaliza as normas sociais e morais, e quando excessivamente severo, pode gerar sentimentos de culpa, inibição e baixa autoestima. A perda da autonomia e da capacidade de autodeterminação, características inerentes ao modelo militarizado, pode comprometer a construção da identidade autêntica.

Impacto nas Relações Interpessoais e na Empatia

A hierarquia militarizada e a competição exacerbada presentes nas escolas cívico-militares podem dificultar a construção de relações interpessoais saudáveis, baseadas na empatia, na cooperação e no respeito mútuo. A valorização da força física e a imposição do modelo único de comportamento podem gerar o ambiente hostil e competitivo, onde a solidariedade e a colaboração são desvalorizadas. A Psicanálise enfatiza a importância das relações objetais para o desenvolvimento da personalidade, e o ambiente militarizado pode prejudicar a formação de vínculos afetivos saudáveis.

Fantasia e Criatividade: Vítimas da Militarização

A fantasia desempenha o papel fundamental no desenvolvimento infantil, permitindo a elaboração de conflitos internos e a construção de um mundo interno rico e imaginativo. A realidade militarizada, com suas regras rígidas e a ênfase na ordem, pode limitar a capacidade dos estudantes de explorar o mundo da fantasia, prejudicando a criatividade e a capacidade de simbolizar.

Vínculo Professor-Aluno e Questão da Empatia

O vínculo afetivo entre professor e aluno é fundamental para a construção de um ambiente de aprendizagem seguro e acolhedor. Nas escolas cívico-militares, a figura do professor pode ser mais autoritária e menos empática, o que pode prejudicar a formação de vínculos afetivos saudáveis e a capacidade dos alunos de internalizar conhecimentos e valores.

Educação Mais Humana e Democrática

A educação deve ser o espaço de acolhimento, de diálogo e de construção conjunta do conhecimento. A escola precisa ser o lugar onde os estudantes possam se sentir seguros para explorar as curiosidades, expressar as opiniões e desenvolver as potencialidades. A Psicanálise nos convida a refletir sobre a importância da educação que valorize a diversidade, a autonomia e a construção da sociedade mais justa e democrática.

Conclusão

A implantação de escolas cívico-militares representa o retrocesso à educação e à sociedade como um todo. A Psicanálise nos alerta para os riscos do modelo educacional que prioriza a disciplina e a conformidade em detrimento do desenvolvimento psicossocial dos estudantes. É fundamental que a sociedade mobilize-se em defesa da educação que promova a autonomia, a criatividade e a construção da sociedade mais justa e humana.

Em suma, a Psicanálise nos oferece a lente poderosa para analisar as implicações psicológicas da militarização da educação, alertando-nos para os riscos de um modelo que pode comprometer o desenvolvimento integral dos estudantes.

* Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

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