Grupo é condenado por envenenar indígenas com chuva de agrotóxico
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu o direito da comunidade indígena Tey Jusu, em Caarapó, a ser indenizada por danos causados pela pulverização aérea de agrotóxico em uma lavoura de milho, que atingiu as moradias da comunidade, em desacordo com as normas ambientais.
O processo envolve múltiplos réus: o proprietário da fazenda, o produtor rural responsável pela contratação do serviço, a empresa de aviação agrícola e o piloto responsável pela dispersão do fungicida. Todos foram condenados a pagar R$ 170 mil por danos ambientais e R$ 50 mil por danos morais coletivos.
Segundo o acórdão, a aplicação do produto ocorreu em desacordo com a instrução normativa do Ministério da Agricultura e Pecuária, que exige uma distância mínima de 250 metros de moradias. No entanto, barracos de lona plástica ocupados pelos indígenas estavam dentro da área da lavoura, desrespeitando essa norma. “Apesar de a dispersão do agrotóxico ter se limitado a 90 hectares da propriedade, como sustentaram os requeridos, foi comprovado que indígenas haviam construído barracos de lona plástica junto a esta lavoura de milho e dentro dela”, afirma a decisão.
Produto perigoso e monitoramento ambiental
A substância pulverizada foi o fungicida “Nativo”, classificado como “muito perigoso”. Sua instrução de uso determina medidas para proteger casas, cursos d'água e nascentes, o que não foi observado no caso. Como parte da reparação, o tribunal determinou o acompanhamento semestral da saúde dos membros da comunidade e o monitoramento mensal da qualidade da água e do solo por um período de dez anos.
O Ministério Público Federal (MPF) moveu a ação civil pública, relatando que membros da comunidade, incluindo crianças, apresentaram sintomas como dor de cabeça, dor de garganta, diarreia e febre após a aplicação do fungicida.
Sentença alterada após recurso
A decisão inicial, proferida pela 1ª Vara Federal de Dourados, havia fixado a indenização por danos morais coletivos em R$ 150 mil, mas não determinou valor para reparação ambiental, alegando falta de comprovação dos danos. No entanto, ambas as partes recorreram ao TRF3: o MPF pediu a inclusão da reparação ambiental, enquanto os réus solicitaram absolvição ou redução da indenização por danos morais.
O TRF3 deu parcial provimento aos recursos, fixando a reparação ambiental e reduzindo a indenização por danos morais para R$ 50 mil, adequando-a ao valor solicitado inicialmente pelo MPF.
Dano ambiental e a ausência de prova técnica
Um dos pontos centrais na decisão foi o debate sobre a necessidade de prova técnica para comprovar o dano ambiental. A defesa alegou que a ausência de perícia inviabilizaria a responsabilização, mas o TRF3 rejeitou esse argumento, seguindo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o STJ, a ausência de prova técnica não impede o reconhecimento do dano em casos de risco elevado ao meio ambiente, como no caso da pulverização aérea de agrotóxico.
“Assim como o lançamento irregular de esgoto, a pulverização aérea de agrotóxico sobre comunidade indígena, uma vez comprovada, como foi no caso, é dano ambiental notório porque improvável, pelas regras de experiência comum, que dela não derivem riscos à saúde, à segurança e ao bem-estar”, concluiu a decisão do TRF3.
Com essa sentença, o tribunal reforça o entendimento de que atividades de alto risco ambiental exigem reparação, independentemente de perícia formal, sempre que os fatos apontarem para a violação das normas e a exposição das pessoas e do meio ambiente a perigos evidentes.