Reflexão à luz da Torá sobre o conflito em Gaza e o valor da vida humana

A Torá nos ensina que a vida humana é sagrada, criada à imagem de D'us (בצלם אלוקים – Betzelem Elokim), e que preservar essa santidade é um princípio fundamental. É por isso que, diante das ações do governo de Israel na Faixa de Gaza, que têm levado à morte de milhares de palestinos, incluindo crianças inocentes, o povo judeus deve posicionar-se com coragem e fidelidade à tradição. A violência que resulta em massacres e destruição indiscriminada não pode ser justificada nem tolerada à luz da ética judaica.

### A Torá e o valor universal da vida

O Talmud (Sanhedrin 37a) afirma que "Quem destrói uma vida, é como se destruísse um mundo inteiro; e quem salva uma vida, é como se salvasse um mundo inteiro". Esse ensinamento não faz distinção entre as vidas dos judeus e as dos não-judeus. A Torá não nos permite relativizar o valor da vida humana com base em nacionalidade, religião ou pertencimento étnico. Todos os seres humanos compartilham a centelha divina, e qualquer ação que resulte no massacre de civis inocentes é uma violação direta desse princípio.

O mandamento "Não matarás" (Lo Tirtzach – Êxodo 20:13) é absoluto e inegociável. Ele não admite exceções em nome de razões políticas ou estratégias militares. Embora a Torá reconheça a necessidade de autodefesa, essa defesa deve ser proporcional, equilibrada e guiada pela preservação da vida. Quando vemos ataques que causam a morte indiscriminada de civis, incluindo crianças, mulheres e idosos palestinos, não podemos permanecer em silêncio. D'us não se agrada de mãos manchadas com o sangue dos inocentes.

### Justiça e retidão: os pilares de uma nação

O profeta Isaías nos lembra que o papel de Israel é ser "uma luz para as nações" (Or LaGoyim – Isaías 42:6). Ser essa luz significa agir com justiça e retidão, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras. A Torá exige que julguemos com equidade e jamais aceitemos a corrupção moral que transforma os mais vulneráveis em vítimas de decisões políticas e militares desumanas: "Justiça, justiça seguirás, para que vivas e possuas a terra que o Senhor, teu D'us, te dá" (Deuteronômio 16:20).

Quando um governo comete atos que resultam na destruição de lares, na morte de milhares de civis e no sofrimento de um povo inteiro, ele deixa de ser um instrumento de justiça e passa a violar os princípios fundamentais que deveriam guiar uma nação judaica. A Torá nos adverte repetidas vezes contra o abuso de poder e a opressão: "Não oprimirás o estrangeiro, pois foste estrangeiro na terra do Egito" (Êxodo 22:21). Este mandamento lembra o povo judeu da própria história como um povo perseguido e subjugado, e chama-o a agir com compaixão e responsabilidade para com os outros.

### A responsabilidade coletiva pelo sofrimento alheio

A Torá nos ensina que não podemos ser indiferentes ao sofrimento do próximo. Em Levítico 19:16, lemos: "Não te colocarás contra o sangue do teu próximo. Eu sou o Senhor." A indiferença diante da morte e da destruição é uma transgressão grave. Como judeus, temos a obrigação de nos levantar contra a injustiça, mesmo quando ela é cometida por nossos próprios líderes.

O Midrash (Bereshit Rabbah 34:14) afirma que o mundo é sustentado por três pilares: justiça (din), verdade (emet) e paz (shalom). Quando o governo de Israel adota medidas que resultam em massacres e no sofrimento de um povo inteiro, esses pilares são destruídos, e o mundo é abalado. A paz nunca será alcançada por meio da violência indiscriminada, mas somente com a busca genuína de justiça e reconciliação.

### O pecado da destruição indiscriminada

O Talmud (Shabbat 105b) condena a destruição desnecessária, afirmando que aquele que destrói algo de valor é comparado a um idólatra. Em tempos de guerra, a Torá estabelece limites claros para a conduta: mesmo em meio ao conflito, devemos preservar a dignidade humana e proteger os inocentes. Deuteronômio 20:19-20 proíbe até mesmo a destruição de árvores frutíferas durante uma guerra, em um mandamento conhecido como bal tashchit – "não destruirás". Se a destruição de árvores é proibida, quanto mais a destruição de vidas humanas?

Os bombardeios que destroem bairros inteiros em Gaza, matando civis e deixando milhares desabrigados, são uma violação flagrante desse princípio. A Torá nos ensina a respeitar a criação divina em todas as suas formas, e a destruição indiscriminada é um ato que degrada nossa humanidade e nos afasta de D'us.

### A busca pela paz como um dever sagrado

A paz não é apenas um ideal distante; ela é uma obrigação ativa. O Salmo 34:14 nos instrui: "Afasta-te do mal e faze o bem; busca a paz e persegue-a." A palavra "persegue-a" implica que a paz exige esforço constante, mesmo diante de desafios e conflitos. O massacre de civis palestinos não nos aproxima da paz; pelo contrário, ele alimenta o ciclo de ódio e vingança, distanciando-nos de qualquer possibilidade de reconciliação.

O Rambam (Maimônides), em sua obra Mishneh Torá, ensina que antes de travar uma guerra, deve-se buscar todas as alternativas de paz. Onde estão os esforços genuínos para dialogar? Onde estão as ações que demonstram a busca pela coexistência? A violência não é o caminho para a segurança; ela é o caminho para a destruição moral e espiritual, tanto para quem a sofre quanto para quem a pratica.

### Conclusão: um chamado à justiça e à compaixão

Os judeus são chamados a ser uma nação que exemplifica a justiça, a compaixão e o respeito pela vida. O massacre de civis palestinos em Gaza é uma mancha moral que traí os valores fundamentais da Torá. D'us não se agrada da violência, e o sangue dos inocentes clama desde o solo (Gênesis 4:10). Os judeus devem exigir que o governo de Israel cesse as ações que causam sofrimento indiscriminado e que se comprometa com um caminho de justiça e reconciliação.

O profeta Miquéias resumiu brilhantemente o que D'us espera de nós: "Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor requer de ti, senão que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes humildemente com o teu D'us?" (Miquéias 6:8). Apenas ao seguir esses princípios, Israel poderá honrar sua identidade como uma nação guiada pela ética divina e pela santidade da vida humana. Que os judeus possam se levantar contra a injustiça, onde quer que ela ocorra, e trabalhar incansavelmente pela paz e pela dignidade de todos os povos. Amém.

Categoria:Geral

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