### Lazer como Essência do Propósito Humano: Teologia para o Futuro (por Tácito Loureiro)

Na vastidão do testemunho bíblico, o ser humano é apresentado como uma criatura feita à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26). Essa verdade fundamental nos direciona a compreender que o propósito último da humanidade não reside na incessante labuta, mas no estado de comunhão, contemplação e descanso. A tese de que o lazer é uma necessidade — e que o trabalho, como o conhecemos, é a ruína final — encontra ressonância profunda nas Escrituras, que apontam para um princípio eterno: o homem não foi criado para ser escravo do trabalho, mas para participar da plenitude da vida divina.


#### Trabalho como Maldição e Expiação


A Bíblia nos apresenta a origem do trabalho sob a luz sombria. Após a queda no Éden, Deus declara a Adão:


"Maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. [...] No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado" (Gênesis 3:17-19).


O trabalho surge como punição, a consequência do pecado, e não como a bênção ou o estado ideal. Antes da queda, o homem vivia no Jardim em harmonia com a criação, desfrutando do lazer divino. Ele tinha tarefas, sim, mas estas não eram um fardo; e sim a expressão de cuidado amoroso pelo mundo criado (Gênesis 2:15). O Éden não era uma fábrica, mas o espaço de comunhão, o lugar onde o homem podia contemplar a glória de Deus e participar de Sua alegria.


A partir desse relato, compreendemos que o trabalho compulsório — aquele que consome o corpo, a mente e o espírito — é um sinal de nossa separação de Deus. Ele é a antítese do descanso divino, o lembrete constante de nossa alienação do propósito original.


#### Sábado: Convite ao Lazer Sagrado


No entanto, mesmo em meio ao caos da queda, Deus oferece o vislumbre de redenção: o sábado. O mandamento de descansar no sétimo dia não é apenas a regra moral ou a pausa utilitária; é o lembrete de que o homem foi criado para algo maior que o trabalho. O sábado aponta para o lazer como a essência da existência humana. Disse o Senhor:


"Seis dias trabalharás, mas no sétimo dia descansarás; [...] para que o teu boi e o teu jumento tenham descanso, e o filho da tua serva e o estrangeiro possam refrigério" (Êxodo 23:12).


O descanso sabático revela que o ser humano é mais do que uma máquina de produção. Ele é o ser destinado à liberdade, à contemplação e à comunhão com Deus e com o próximo. No sábado, o homem é convidado a sair do ciclo exaustivo do trabalho e a entrar no lazer sagrado, a antecipação do descanso eterno prometido por Deus.


#### Jesus e Redefinição do Trabalho


Jesus Cristo, o Verbo encarnado, veio para redimir não apenas o homem, mas também a relação com o trabalho. Em Seus ensinamentos, Ele desafiou a obsessão farisaica pelo cumprimento mecânico da lei e reafirmou o valor do descanso e do lazer. Disse Ele aos cansados e sobrecarregados:


"Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas" (Mateus 11:28-29).


O convite de Cristo não é para trabalhar mais, mas para descansar n’Ele. Sua promessa de alívio não é apenas espiritual, mas existencial. Ele nos chama a abandonar o jugo do mundo — o jugo da produtividade incessante, da escravidão ao sistema — e a encontrar o verdadeiro propósito da vida: estar em comunhão com Deus e com os outros.


#### Lazer como Reflexo da Eternidade


A narrativa bíblica culmina na visão do novo céu e da nova terra, onde não haverá mais choro, dor ou fadiga (Apocalipse 21:4). Na Nova Jerusalém, o lazer será a condição eterna do povo de Deus. Não haverá mais trabalho como o conhecemos hoje, porque a plenitude será restaurada. O profeta Isaías antecipa essa realidade:


"Os meus eleitos gozarão das obras das suas mãos. Não trabalharão debalde, nem terão filhos para a calamidade; porque são a posteridade bendita do Senhor" (Isaías 65:22-23).


Essa visão escatológica nos ensina que o lazer não é a fuga da realidade, mas a realização do propósito humano. O lazer é a antecipação do céu, o vislumbre da eternidade em que viveremos em perfeita harmonia com Deus, com o próximo e com a criação.


#### Trabalho como Ruína Final


Se o lazer reflete o propósito eterno, o trabalho compulsório, impulsionado pela ganância e pela idolatria da produtividade, é o caminho para a ruína. O apóstolo Paulo adverte:


"O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores" (1 Timóteo 6:10).


O sistema atual, que glorifica o trabalho como fim em si mesmo, está fundamentado nesse amor desordenado ao dinheiro e ao poder. Ele destrói não apenas o corpo e a mente dos indivíduos, mas também a criação. A crise ambiental, a desigualdade social e a alienação espiritual são frutos do mundo que se recusa a parar, refletir e descansar.


#### Redenção da Sociedade pelo Lazer


A sociedade do futuro só será possível se abraçarmos o lazer como necessidade espiritual e existencial. Isso exige a transformação radical, a metanoia coletiva que resgate o valor do descanso e da contemplação. A tecnologia, que hoje perpetua o ciclo do trabalho, deve ser redirecionada para libertar o homem das tarefas mecânicas, permitindo-lhe dedicar-se ao que realmente importa: a comunhão com Deus, a criação de beleza e a construção de relacionamentos significativos.


Mais do que a mudança econômica ou política, essa transição é a questão espiritual. É o retorno ao Éden, o reencontro com o propósito original. É o cumprimento da promessa de Cristo: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância" (João 10:10).


#### Conclusão: Chamado ao Descanso Eterno

O trabalho, na forma como é glorificado hoje, é a prisão que nos afasta de nossa verdadeira vocação. O lazer, por outro lado, é o espaço onde o humano encontra a identidade, a criatividade e a espiritualidade. A humanidade do futuro deve escolher: continuar no caminho da autodestruição ou abraçar a liberdade do descanso e da contemplação.

No final, a escolha pelo lazer não é apenas a questão prática, mas também o ato de fé. É confiar que fomos criados não para o suor e a fadiga, contudo à alegria e à comunhão. É aceitar o convite eterno de Deus:

"Entrai no descanso do Senhor" (Hebreus 4:9-11).

Que essa visão inspire a humanidade a abandonar as correntes do trabalho alienante e a caminhar rumo ao descanso eterno, onde o lazer não será apenas uma necessidade, mas a expressão plena da vida.

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