O Aprendiz de poeta e a Palavra

 

" O Aprendiz de Poeta e   a Palavra"

 Por Onildo Lopes

 

Aprendiz:

Para que servem os soluços,

as lágrimas,

o pranto?

Palavra:

Servem pra lavar

a parte da dor

que não sabe falar.

Aprendiz:

Quem sequestrou a poesia do mundo?

Palavra:

Foi a pressa,

foi o medo,

foi o preço do pão.

Foi o silêncio

na boca da multidão.

Aprendiz:

Quem pergunta ainda?

Quem resiste a não calar?

Palavra:

Quem sente o corte

do dia no peito.

Quem anda descalço

no asfalto do tempo.

Aprendiz:

E alguém escuta?

Palavra:

Talvez a pedra.

Talvez a noite.

Ou aquele que escreve

mesmo sem saber por quê.

 

Aprendiz:

Não tenho o mapa.

Quase tudo me escapa.

E me sobra o nada —

nada de gozo,

tudo de Gaza –

o muro, o nome, o verso engasgado.

Palavra:

Então escreve com riso e pranto,

com falha,

com farpa.

A poesia nasce

quando tudo se rasga.

Aprendiz:

A poesia tem fome de beleza escondida?

Palavra:

Tem.

Mas vive de restos.

De lampejos.

De cacos de luz

no fundo dos gestos.

Aprendiz:

E se eu não souber mais o que te perguntar?

Palavra:

Pergunte ao silêncio.

Ele sempre responde

com versos que ainda

não foram ditos.

Aprendiz:

 Meus passos caminham em direção à poesia?

será que a alcanço um dia?

 

 Palavra:

Se teus passos vão pra poesia,

então teus pés já são versos.

Cada tropeço é metáfora.

Cada desvio, um ensaio de beleza.

 

Ninguém alcança a poesia por inteiro,

mas ela sempre alcança a gente —

na esquina,

na lembrança,

no choro,

no espanto.

 

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