Na aldeia Karajá, às margens do rio Araguaia, os cânticos ancestrais ecoavam há séculos em harmonia com os ciclos da natureza. Até que, um dia, as trombetas de um templo neopentecostal romperam o silêncio. Sob a bandeira da "conquista espiritual", missionários chegaram prometendo "libertação" dos "demônios da selva" — uma alegoria cruel para as tradições indígenas . A história que se desenrolou desde então é um alerta sobre como o expansionismo religioso ameaça não apenas culturas milenares, mas a própria soberania de terras protegidas. As igrejas neopentecostais, conhecidas pela estrutura empresarial e estratégias de expansão agressiva, têm se instalado em terras da União Federal habitadas por indígenas, com a justificativa de "levar a palavra de Deus".
No entanto, por trás da retórica espiritual, há um projeto de ocupação. Templos imponentes são erguidos em áreas demarcadas, modificando a paisagem e atraindo migrantes não indígenas, que pressionam por infraestrutura urbana incompatível com o modo de vida tradicional . Essa invasão viola o Artigo 231 da Constituição Federal, que garante aos povos originários o direito à posse exclusiva de suas terras.
A cosmovisão indígena entende a terra como entidade viva, mãe que sustenta corpo e alma. Já o neopentecostalismo, marcado por uma teologia da prosperidade, transforma a fé em transação: bênçãos materiais são oferecidas em troca de dízimos, muitas vezes arrancados de comunidades já vulneráveis . Missionários demonizam rituais ancestrais, como o Toré ou o uso medicinal de plantas sagradas, taxando-os de "feitiçaria" . Assim, a identidade cultural é corroída, e a juventude, seduzida pela promessa de "progresso", abandona tradições em nome de um Deus que, paradoxalmente, as aliena de suas raízes .
A narrativa neopentecostal do "combate ao mal" não apenas criminaliza práticas indígenas, mas cria dependência financeira. Coloca o fogo em casas de reza tradicionais indígenas. Em cultos transmitidos por rádios piratas, líderes exigem ofertas para "quebrar maldições", explorando a pobreza estrutural imposta pelo Estado . Enquanto isso, terras são griladas sob o pretexto de "projetos missionários", abrindo caminho para grileiros e madeireiros — aliados informais de uma teologia que, em nome do "desenvolvimento", legitima o desmatamento.
A atuação dessas igrejas não é apenas religiosa, mas política. Ao alinharem-se a discursos anti-indígenas, como os que defendem a exploração mineral em terras demarcadas, elas reforçam um projeto de nação que subordina direitos originários ao capital.Várias delas, por exemplo, já mobilizaram fiéis para campanhas que deslegitimam movimentos indígenas, usando a máquina midiática para espalhar fake news sobre "privilégios".
Retirar as igrejas neopentecostais das terras indígenas não é um ato de intolerância, mas de reparação histórica. É urgente que o Estado cumpra seu papel, expulsando organizações que, sob o manto da fé, praticam etnocídio e ecocídio. Que o grito da floresta não seja mais abafado por hinos de destruição, mas reencontre o canto ancestral — livre, soberano e vivo.
