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Dia Mundial do Milho, 24 de abril. O Último Grão (por Tácito Loureiro)

Publicada em: 24/04/2025 07:18 - Geral

No coração do Vale das Espigas, onde o céu se encontra com a terra em tons de ouro ao entardecer, dona Mariana, 72 anos, segura um grão de milho enrugado. Não é um grão qualquer: é o último da safra que seu avô plantou antes de a monocultura industrial chegar, engolindo cores, sabores e histórias. "Um grão guarda a alma de quem o cultiva", ele dizia. Suas mãos, marcadas pelo tempo, tremem. Ela sussurra: "Hoje é o dia de devolver sua voz."

A narrativa retrocede aos anos 1980. O vale, outrora um mosaico de roças orgânicas, virou um deserto verde de híbridos transgênicos. Os rios secaram, as abelhas desapareceram, e os agricultores, endividados, vendiam suas almas a pacotes de agrotóxicos. O pai de Mariana, um homem de fé na ciência, trocara as sementes crioulas por grãos "milagrosos". Até o dia em que a terra, exausta, deixou de responder. A colheita murchou, e com ela, a esperança. 

Mariana, formada em agronomia na cidade grande, retorna ao vale após décadas. Traz na mala estudos sobre agricultura regenerativa e uma carta do avô, encontrada num baú empoeirado: "A terra não é herança, é empréstimo. Cultive-a como se fosse devolver." Ela reúne os poucos agricultores resistentes. "O milho não é commodity, é parente", argumenta, citando a filosofia Terra Madre de Carlo Petrini. Propõe um experimento: uma lavoura orgânica, usando apenas sementes ancestrais e adubo natural. 

O clímax é uma noite de lua cheia. Enquanto tratores rugem em fazendas vizinhas, Mariana e seu grupo plantam o último grão do avô em solo revitalizado com compostagem e microrganismos. A câmera lenta captura as mãos sujas de terra, as vozes em prece guarani e o primeiro broto rompendo a superfície — frágil, mas determinado. Donald Davis, contador de histórias Appalachiano, diria: "É nas rachaduras do desespero que a luz entra."

Cinco anos depois, o vale renasce. Milhos coloridos — roxos, azuis, vermelhos — ondulam ao vento como um arco-íris caído do céu. Crianças mascam pipas sem veneno, e os rios, agora vivos, refletem o rosto de quem os respeitou. Num evento do Dia Mundial do Milho, Mariana sobe ao palco segurando uma espiga multicolorida. "Orgânico não é moda", declara, "é memória. Cada grão carrega o DNA de quem lutou para que ele existisse." A plateia, agricultores de 15 países, ergue sementes como tochas. 

A história fecha com um jovem estudante, neto de um dos primeiros adeptos de Mariana, plantando uma semente crioula no quintal de sua escola urbana. Ao fundo, um grafite gigante exibe a frase de Vandana Shiva: "O milho nos ensina: para florescer, precisamos de raízes coletivas."

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