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As Raízes Invisíveis (por Tácito Loureiro)

Publicada em: 26/04/2025 08:45 - Famosos

No coração de um vale esquecido pelo tempo, havia uma floresta onde as árvores não sussurravam apenas segredos ao vento, mas também escolhiam com quem compartilhar suas raízes. Entre elas, crescia um jovem carvalho chamado Kael, cujos galhos ansiosos se estendiam para todos os lados, ávido por conexões. Seu tronco brilhava dourado ao sol, atraindo árvores de todas as formas — algumas com folhas de prata que cantavam falsas melodias, outras com cascas pintadas de promessas vazias.

Um dia, um cedro ancião, cuja casca parecia esculpida pela sabedoria de mil invernos, aproximou-se dele: 

— "Cuidado, Kael. Nem todas que dançam sob a mesma tempestade enraízam-se na mesma verdade." 

Kael riu, ignorante. Afinal, como julgar o que não se vê? As raízes são invisíveis, e ele preferia admirar as copas coloridas. Até que a primeira tempestade chegou. 

Os ventos trouxeram não apenas água, mas revelações. A amieira de folhas prateadas, que sempre o elogiava, arrancou suas raízes frágeis e fugiu, arrastando consigo parte do solo que sustentava Kael. O salgueiro, que contava histórias de eterna lealdade, dobrou-se ao primeiro sopro do caos, deixando-o exposto. 

Mas então, Kael viu Lira, uma figueira silenciosa que jamais floreara palavras bonitas. Enquanto o mundo desmoronava, suas raízes — grossas como montanhas — entrelaçaram-se às dele, sustentando-o. Eram ásperas, honestas, e não se moviam por interesse, mas por um caráter forjado na luz crua do sol e na escuridão da terra

A tempestade passou. O cedro retornou, seu olhar contendo perguntas não ditas. 

"Agora você sabe", disse ele, tocando Kael com um galho. "Amizades são como simbioses: algumas sugam tua seiva. Outras te fazem florir até na aridez."

Kael, ferido mas sábio, entendeu. As raízes invisíveis — aquelas que não se mostram em dias de sol — são as únicas que importam. Passou a medir as árvores não pela sombra que projetavam, mas pela profundidade que ousavam cavar no solo. E, ao fazê-lo, descobriu que as melhores amizades não são as que brilham, mas as que transformam o subsolo em alicerce

Anos depois, quando novas mudas chegavam ao vale, Kael repetia o conselho do cedro, acrescentando: 

— "Permita que seu caráter seja o mapa que guia suas raízes. Ou um dia, quando a tempestade vier, você cairá… não por fraqueza, mas por ter escolhido mal onde se apoiar."

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