Amanhã, 22 de julho, marca-se o Dia Internacional do Trabalho Doméstico. A data que, longe de ser mera celebração, é um lembrete estridente da colossal contradição enterrada nos alicerces das nossas sociedades. Enquanto o mundo gira frenético em torno de cifras, mercados e produtividade mensurável, uma imensa porção do trabalho verdadeiramente essencial – o que permite que todos os outros existam – permanece na sombra, não contabilizada, não remunerada e, com frequência, desvalorizada. São as mãos que lavam, cozinham, cuidam, confortam, limpam, organizam, nutrem e sustentam a vida no seu nível mais fundamental: o doméstico. Maioritariamente feminino, este trabalho é o alicerce invisível sobre o qual o edifício do capitalismo se ergue. Mas e se começássemos a fazer as perguntas certas? As perguntas que nenhum índice bolsista quer ouvir, mas que, respondidas com honestidade, poderiam abalar até as fundações desse mesmo sistema? Perguntas que expõem a falácia central: como pode um sistema sobreviver quando depende vitalmente de algo que se recusa a reconhecer como trabalho?
A primeira pergunta corta direto ao cerne da lógica econômica dominante: Se o trabalho doméstico e de cuidado cessasse completamente amanhã, quanto tempo levaria para que o chamado "mercado produtivo" – fábricas, escritórios, bolsas de valores – entrasse em colapso total e irremediável? A resposta, óbvia, é "horas ou dias". Sem alguém para cuidar das crianças, os trabalhadores não podem sair de casa. Sem alguém para cozinhar e limpar, a saúde e a energia para o trabalho remunerado desaparecem. O caos seria instantâneo. Isto revela uma dependência absoluta, uma subordinação não dita: a esfera "produtiva" capitalista é parasita da esfera "reprodutiva" doméstica. A próxima pergunta aprofunda a ferida: Qual seria o valor monetário real, calculado hora a hora, tarefa a tarefa, ano após ano, de todo o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado realizado globalmente? E se esse valor fosse instantaneamente adicionado ao PIB mundial, que nova realidade econômica – e que dívida impagável – seria revelada? O PIB, essa divindade capitalista, deliberadamente exclui este trabalho. Incluí-lo mostraria uma economia paralela gigantesca, sustentando a oficial, mas sem qualquer retorno justo. A magnitude seria tão avassaladora que questionaria a própria noção de riqueza e progresso.
Isto leva à terceira questão, profundamente desconfortável: Se o trabalho doméstico e de cuidado fosse devidamente valorizado e remunerado a preços de mercado (como uma empregada doméstica, um enfermeiro, um cozinheiro profissional, um psicólogo, um logístico), qual seria o custo real para manter um único trabalhador "produtivo" no sistema capitalista atual? E quem, verdadeiramente, está subsidiando quem? A resposta exporia que o lucro das empresas e o salário do trabalhador remunerado são viáveis apenas porque uma imensa carga de trabalho necessária à sua existência é realizada gratuitamente, principalmente por mulheres, no espaço privado. O sistema só é "rentável" porque externaliza brutalmente seus custos mais essenciais. Isto força uma quarta pergunta, ainda mais radical: Pode um sistema econômico que depende estruturalmente da exploração gratuita do tempo, do corpo e da vida emocional de metade da humanidade (e de algumas parcelas da outra metade), baseado numa divisão sexual do trabalho nunca verdadeiramente escolhida, ser considerado ético, sustentável ou sequer racional a longo prazo? A exploração aqui não é apenas de classe, mas profundamente generificada, arraigada em séculos de patriarcado que o capitalismo soube absorver e utilizar, mas nunca superar.
Finalmente, a pergunta que talvez seja a mais subversiva de todas: Se o valor gerado pelo trabalho doméstico e de cuidado fosse plenamente reconhecido e incorporado como pilar central da organização social, que sistema econômico radicalmente diferente – não baseado na extração de lucro, mas na sustentação da vida em sua plenitude – poderia emergir para substituir o capitalismo? Esta pergunta aponta para além da crítica, para a possibilidade. Ela sugere que o reconhecimento pleno deste trabalho forçaria uma redefinição completa do que consideramos "economia", deslocando o foco do acúmulo privado para o bem-estar coletivo, da produtividade abstrata para a qualidade concreta da vida, do lucro infinito para a reprodução sustentável da comunidade e do planeta. O Dia Internacional do Trabalho Doméstico não é apenas sobre dar visibilidade. É sobre desafiar a narrativa fundamental do que sustenta o mundo. As perguntas estão no ar. São incômodas, são poderosas, são inéditas em sua profundidade desnudadora. Respondê-las com sinceridade não é uma opção para o capitalismo; é a sentença que revela sua contradição fatal e aponta para o horizonte do seu possível fim. O silêncio que sustenta o mundo está começando a encontrar sua voz. E essa voz faz perguntas que ecoam como trovão.