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Fanatismo Bolsonarista: Engrenagem que Alimenta a Máquina de Ódio e Lealdade Inabalável

Publicada em: 04/08/2025 10:41 - Politica e Economia

 

A Avenida Paulista transforma-se em um mar de amarelo e verde. Homens, mulheres e crianças vestem a camisa da seleção brasileira como uniforme ideológico, carregam bandeiras nacionais cruzadas com símbolos israelenses e entoam cantos que ecoam entre arranha-céus. Em meio a buzinas estridentes e rostos pintados, uma multidão de 700 mil pessoas se aglomera não para assistir a um jogo de futebol, mas para celebrar um líder político banido das urnas. Essa cena, registrada em São Paulo, é a face mais visível de um fenômeno que permeia o tecido social brasileiro: o fanatismo bolsonarista. Mais do que apoio político, manifesta-se como identidade cultural inegociável, fé inabalável e força mobilizadora que desafia lógicas tradicionais.

 

As raízes desse movimento remontam a uma perigosa alquimia entre corporativismo militar, fervor religioso e máquina digital. Diferente dos golpes históricos brasileiros, que se justificavam por projetos ideológicos ou "refundação da República", o bolsonarismo inovou ao converter o aparato estatal em instrumento de preservação de privilégios. Como aponta o historiador Carlos Fico (UFRJ), enquanto rupturas passadas tinham motivações difusas ou anticomunistas, a trama bolsonarista foi impulsionada pelo interesse material: a manutenção de "milhares de cargos" ocupados por militares no governo e a defesa da previdência especial das Forças Armadas. Essa engrenagem ganhou potência ao se conectar com o evangelicalismo, onde figuras como frei Gilson, com 7 milhões de seguidores no Instagram, atuam como influenciadores espirituais do conservadorismo. Suas pregações contra o "empoderamento feminino" e o "flagelo comunista" ecoam a cartilha moral bolsonarista sem mencionar nominalmente o ex-presidente, criando uma rede de significados compartilhados.

 

A máquina de radicalização opera 24 horas por dia nas redes digitais, onde palavras democráticas são assombradas por sentidos perversos. Pesquisadores analisando milhares de tweets do 7 de Setembro de 2021 identificaram a tática central: a produção de "duplos inquietantes" de conceitos como liberdade. Não se trata apenas de esvaziar significados, mas de inocular neles um estranhamento que corrói consensos democráticos. Quando "liberdade" passa a significar direito de portar armas ou "patriotismo" vira defesa de intervenção militar, a linguagem vira campo de batalha onde a desorientação facilita a manipulação . O ministro Gilmar Mendes aponta o resultado: "discurso de ódio, fanatismo político e indústria de desinformação" que culminaram no ataque de 8 de Janeiro de 2023, causando R$ 24 milhões em danos aos prédios dos Três Poderes . A estratégia tem DNA global: em eventos como o CPAC Brasil, bandeiras de Israel e EUA fundem-se à brasileira, enquanto camisetas de Elon Musk celebram o "libertador" das redes, transformando plataformas em armas de radicalização em massa.

 

A cultura fanática se alimenta de símbolos transformados em mercadoria política. Nas ruas de Balneário Camboriú durante o CPAC 2024, a estética bolsonarista se materializa em objetos de consumo: bandeiras híbridas Brasil-Israel, camisetas com leões (símbolo de força) e até "Vinho Reserva Bolsonaro" – o rosé batizado em homenagem a Michelle. Essa iconografia não é acidental: representa a fusão entre nacionalismo exacerbado, messianismo evangélico (Bolsonaro foi batizado no Rio Jordão em 2016) e culto à personalidade. O verde-amarelo, outrora símbolo esportivo, foi apropriado como uniforme de guerra identitária desde 2013, quando surgiu em protestos contra o PT. Hoje, ostentá-lo gera reações imediatas: bolsonaristas são barrados no metrô paulistano e buzinas estridentes soam diante de hospitais, desrespeitando doentes em nome da "resistência". Comentários nas redes revelam o ethos: "qualquer Ser Humano com civilização mínima respeita hospital. Hospital? Silêncio! Gentinha baixa", indigna-se uma internauta após protestos barulhentos em frente ao Emílio Ribas e às Clínicas.

 

Mesmo com o líder politicamente asfixiado – inelegível e enredado em processos –, o fanatismo mostra resiliência adaptativa. Pesquisa Genial/Quaest revela fissuras: 55% dos direitistas não bolsonaristas rejeitam a ideia de que Donald Trump possa reverter judicialmente a inelegibilidade de Bolsonaro. Até entre os fiéis, um terço duvida do "salvamento americano". A ameaça de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros colocou governadores aliados como Tarcísio de Freitas na encruzilhada: "Bolsonaro não é mais importante que a relação com os EUA", declarou publicamente, gerando ataques furiosos da família Bolsonaro. Enquanto isso, setores buscam novos messias: Michelle Bolsonaro mobiliza mulheres como "chefe do exército de Deus", e Tarcísio surge como herdeiro possível, ainda que moderado. A sobrevivência do movimento, porém, depende menos de figuras específicas que da infraestrutura criada: redes digitais, mídias conservadoras e células locais mantêm a chama acesa mesmo com o líder original na berlinda.

 

O legado mais perigoso desse fanatismo pode ser a naturalização da violência como linguagem política. Quando a historiadora Heloisa Starling (UFMG) compara governos militares e bolsonarismo, aponta o abismo: "eles tinham um projeto para o Brasil. Hoje não têm". O que resta é a "política da destruição" como fim em si mesmo . A invasão de 8 de Janeiro não foi um ato isolado, mas o ápice lógico de uma cultura que assombra palavras como liberdade e pátria com espectros autoritários. Como escreve um analista, o bolsonarismo não precisa mais derrubar instituições – basta corroê-las por dentro, transformando-as em "zumbis democráticos". Nesse cenário, o desafio brasileiro vai além de derrotar um líder ou partido: exige curar uma sociedade intoxicada por ódio instrumentalizado, onde o fanatismo deixou de ser exceção para se tornar identidade política organizada. O futuro dependerá da capacidade de reerguer, tijolo por tijolo, as paredes entre democracia e barbárie que foram implodidas não por tanques, mas por likes.

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