Tocando Agora: ...

Dia da Logística: O Sangue Invisível e os Músculos Esquecidos da Máquina (por Tácito Loureiro)

Publicada em: 06/06/2025 10:37 - Artigos

6 de junho. O Dia da Logística. Uma data que, como o próprio sistema que celebra, passa quase despercebida sob o estrondo do consumo e o brilho das mercadorias. Não há paradas grandiosas, nem discursos inflamados nos grandes meios. É uma efeméride discreta, tal qual os milhões de trabalhadores que, diariamente, são as vértebras, os tendões e o sangue pulsante dessa complexa circulação que sustenta o mundo como o conhecemos.

A celebração  da logística não é exaltar a eficiência fria das corporações ou a velocidade dos algoritmos de roteirização. É, antes de tudo, desvelar a contradição fundamental que pulsa em suas veias. É reconhecer que a logística é a arte material da conexão, um feito humano colossal, mas que foi sequestrada pela lógica implacável do capital.

Pense no milagre cotidiano: uma encomenda atravessa continentes; um alimento perecível chega fresco à mesa; um medicamento vital encontra seu destino. Este é o lado luminoso, o potencial emancipatório da logística – encurtar distâncias, vencer a escassez, conectar necessidades humanas. Um sonho de distribuição racional e justa espreita nessa capacidade técnica.

Mas a realidade grita mais alto: essa mesma rede que promete conexão é tecida com fios de exploração e invisibilidade. Quem são os verdadeiros arquitetos desse fluxo incessante? Não são os CEOs em seus escritórios climatizados, mas:

O motorista de caminhão, amarrado ao volante por jornadas desumanas, pressionado por prazos absurdos, seu corpo e seu tempo mercantilizados ao extremo.

O operador de armazém, submetido à tirania dos KPIs, ao ritmo robótico das esteiras, ao monitoramento constante, onde sua dignidade se dissolve na busca por "eficiência".

O entregador de aplicativo, ciclista ou motociclista, transformado em micro-empresário da própria precariedade, sem direitos, sem segurança, lutando contra o algoritmo e o trânsito por uma remuneração que mal sustenta.

O trabalhador portuário, exposto a riscos físicos imensos, à informalidade, à violência estrutural de um sistema que trata contêineres com mais cuidado que vidas humanas.

A logística capitalista invisibiliza o trabalho concreto. Ela fetichiza a mercadoria que se move, mas apaga o suor, o cansaço, os acidentes e a ansiedade daqueles que a fazem mover. É um sistema que otimiza rotas e minimiza custos, mas maximiza a alienação e a insegurança laboral. O "just-in-time" do consumidor é o "never-enough-time" do trabalhador.

Celebrar o Dia da Logística é portanto:

1.  Denunciar a Exploração: expor as condições brutais sob as quais essa engrenagem funciona. Reivindicar direitos trabalhistas plenos, jornadas dignas, segurança, remuneração justa e o fim da precarização que é a base do "milagre" logístico atual.

2.  Reivindicar a Tecnologia para o Povo: questionar quem controla os algoritmos, os dados, as plataformas. Defender a logística onde a automação e a inteligência artificial libertem o trabalhador do fardo alienante, reduzam jornadas e melhorem condições, não sirvam apenas para intensificar a exploração e o controle.

3.  Imaginar uma Logística Socialmente Necessária: sonhar com um sistema logístico voltado não para o lucro máximo, mas para a satisfação das necessidades humanas reais e a redução das desigualdades. Uma logística que priorize alimentos saudáveis para todos, medicamentos essenciais, transporte público de qualidade e bens duráveis – não a circulação frenética de supérfluos e a obsolescência programada.

4.  Reconhecer o Impacto Socioambiental: enxergar a logística como uma força geológica – os portos que devastam comunidades costeiras, as rodovias que rasgam biomas, a poluição do ar dos navios e caminhões que intoxicam principalmente os mais pobres. Exigir uma transição logística verde e justa, com investimento massivo em modais menos poluentes e respeito aos territórios.

O sangue que corre nas veias da logística global não é um fluido abstrato. É o suor, o esforço, e muitas vezes o sangue real dos trabalhadores. O "Dia da Logística" só terá sentido quando for também o dia de honrar esses trabalhadores visíveis, de buscar a humanização e o controle democrático dessa rede vital. Enquanto a logística servir principalmente ao capital, ela será um santuário da velocidade e da eficiência construído sobre o altar da exploração. Transformá-la em uma ferramenta genuína de conexão humana e justiça social – essa sim seria a verdadeira revolução logística. O outro mundo possível passa, necessariamente, pelos galpões, pelas estradas e pelos portos, nas mãos daqueles que os fazem funcionar.

Compartilhe:
Comentário enviado com sucesso!
Carregando...