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O Despertar da Consciência Crítica: Fundamentando Ontologicamente uma Nova Teoria Social

Publicada em: 30/09/2025 09:10 -

 

O Impasse da Teoria Social Contemporânea

Vivemos o colapso epistêmico das grandes narrativas explicativas. O materialismo histórico, após o ciclo revolucionário do século XX, fossilizou-se em economismos burocráticos. O pós-modernismo, ao celebrar a fragmentação, rendeu-nos apenas cínismo político. A espiritualidade new-age, por sua vez, dissolveu a crítica social em narcisismo terapêutico.

A Ontologia da Consciência: Entre o Material e o Ideal

A consciência não é epifenômeno da matéria, tampouco substância autônoma. É emergência qualitativa de complexidades materiais que, uma vez surgida, retroalimenta causalmente seu próprio substrato. Esta não-linearidade fundamental exige um novo paradigma causal.

O Princípio da Causalidade Circular:

1. Base Material Necessária: condições neurobiológicas e socioeconômicas para emergência da consciência reflexiva;

2. Emergência Qualitativa: salto ontológico que produz novas propriedades causais;

3. Retrocausalidade Consciencial: consciência transforma o próprio substrato material por meio de práticas culturais, tecnológicas e políticas.

Esta formulação supera tanto o determinismo econômico quanto o idealismo místico. A consciência é, simultaneamente, produto e produtora de realidade.

A Estrutura Triádica da Realidade

Desenvolvemos aqui uma ontologia processual que integra três estratos irredutíveis:

1. Estrato Material (Potência):

- Processos físico-químicos;

- Relações socioeconômicas;

- Corpos e tecnologias.

2. Estrato Consciencial:

- Experiências subjetivas qualitativas;

- Intencionalidade e reflexividade;

- Capacidade de negatividade (contra-factualidade).

3. Estrato Dialógico (Mediação):

- Linguagem e símbolos;

- Instituições e práticas culturais;

- Tecnologias de exteriorização consciencial.

Tais estratos não estão em "interação" - estão em co-constituição processual. Não há matéria sem forma consciencial, nem consciência sem materialização.

O Conceito de Consciência Crítica

À superação da vaguidão new-age do "despertar", propomos o conceito operativo de Consciência Crítica:

Dimensões Constitutivas:

1. Reflexividade Negativa: capacidade de questionar pressupostos ontológicos e políticos;

2. Empatia Cognitiva: compreensão da alteridade radical sem redução ao mesmo;

3. Imaginação Contra-factual: projeção de possíveis mundos alternativos;

4. Agência Transformadora: capacidade de materializar novas formas-de-vida.

Critérios de Medição (Indicadores Empíricos):

- Quantidade de ligações entre neurônios na rede de modo padrão do cérebro;

- Capacidade de tomada de perspectiva em testes psicométricos;

- Engajamento em práticas de co-criação cultural;

- Resistência a algoritmos de enquadramento cognitivo.

A Economia Política da Consciência

A revolução consciencial exige análise materialista precisa dos modos de produção da subjetividade:

1. Capitalismo Cognitivo:

- Mercantilização da atenção e da memória;

- Plataformas que extraem valor da socialidade;

- Precarização do tempo de reflexão.

2. Tecnologias de Modulação Consciencial:

- Algoritmos de recomendação que reforçam bias cognitivos;

- Realidade virtual que substitui experiência por simulação;

- Neurotecnologias de "otimização" afetiva.

3. Novas Formas de Expropriação:

- Apropriação privada de dados de experiência subjetiva;

- Patenteamento de padrões neurais;

- Monetização da intimidade emocional.

A reivindicação política, portanto, não é apenas por renda ou direitos trabalhistas, mas pelo controle dos meios de produção da subjetividade.

A Práxis da Consciência Crítica: Tecnologias de Si e de Coletivo

Propomos três vetores de transformação concreta:

1. Tecno-Políticas de Expansão Consciencial:

- Neurodiversidade como um direito: lei que reconhece modos diferentes de consciência;

- Plataformas de decisão coletiva: ferramentas que ajudam a levar em conta diferentes pontos de vista;

- Centros de Pesquisa de Estados Expandidos: estudos científicos rigorosos sobre meditação, psicodélicos e práticas contemplativas.

2. Economia da Generosidade Cognitiva:

- Redes de Cuidado Mútuo: sistemas de apoio que não dependem de monetização;

- Bancos de Tempo Reflexivo: troca de tempo dedicado a escuta profunda e diálogo;

- Cooperativas de Dados Conscienciais: propriedade comunitária de informações sobre estados subjetivos.

3. Instituições de Permeabilidade:

- Universidades do Impossível: lugares para pensar o impensável, sem ser controlado pelo mercado;

- Laboratórios de Ontologias Alternativas: experimentação com formas-de-vida não-capitalistas;

- Assembleias de Vulnerabilidade Compartilhada: políticas baseadas em exposição mútua de limites.

Superando o Falso Dilema: Espiritualidade e Crítica Social

A nova teoria dissolve a oposição estéril entre:

- Materialismo Reducionista que nega a realidade da experiência;

- Espiritualismo Escapista que nega a materialidade da opressão.

A consciência crítica é, simultaneamente:

- Radicalmente imanente: embutida em corpos, tecnologias e instituições;

- Radicalmente transcendente: capaz de negar e superar qualquer forma dada.

Esta não é mais a dialética clássica (tese-antítese-síntese), mas uma ontologia de devir onde o novo emerge pela capacidade consciencial de tornar-se outro.

Conclusão: A Revolução que Não Tem Lugar

A revolução consciencial não acontecerá "depois" da transformação econômica, nem "antes" como condição para ela. Acontece aqui-agora, toda vez que:

- Um corpo físico humano se recusa a produzir valor para o capital;

- Uma mente se nega a enquadrar-se em padrões algorítmicos;

- Um coletivo inventa nova forma-de-vida.

A consciência crítica não é privilegio de elites espirituais, nem destino messiânico do proletariado. É potência latente em qualquer corpo que se recusa a ser mera função de produção e consumo.

O verdadeiro "para além" não é um lugar transcendente - é esta materialidade aqui, experimentada como capacidade infinita de tornar-se outra. A revolução não é viagem para outro mundo, mas transformação radical deste mundo que habitamos corporalmente.

O futuro não será consciencial ou material. Será, necessariamente, ambos - ou não será nada.

 

Veja os outros artigos desta série:

 

Primeiro artigo:

https://webradiojave.com/post/196207/tratado-sobre-a-dinamica-consciencial-para-alem-da-dialetica-material

 

Segundo artigo:

https://webradiojave.com/post/196280/a-era-pos-consciencial-para-alem-da-dialetica-e-da-materia

 

 

 

 

 

 

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