Coração Pantaneiro do Mundo
Nasce o dia entre guavirais e cantigas,
a névoa respira no dorso do Rio Miranda,
onde o ar sabe a lenda que não se investiga
e o tempo escuta o que a terra ainda manda.
O sol abre ferida vermelha no brejo.
O homem — chapéu de palha, reza muda —
sabe que o campo não perdoa desejo,
mas aceita quem chega com a mão nua.
Mato Grosso do Sul: não palavra, pulso.
Guarani, espanhol, fronteira — três línguas
bebendo da mesma canoa. O convulso
corpo que a História acorda em línguas.
Trem do Pantanal: sanfona que não chora,
testemunha. Berrante anunciando
não o boi — o homem que se enamora
quando junho vira fogo e quando.
Paraguai: tereré circula.
Não a cuia — o silêncio aceito
entre goles. Amizade que calcula
nos linderos o quanto cabe no estreito.
Feira de Dourados, chipa pastel mandioca:
não alimenta a boca.
Alimenta.
Corumbá tambor. Campo Grande viola sobá.
Amambai reza tentando segurar
o que o asfalto —
Mas o povo não resiste: vive.
Recolhe pólen, entorta aço,
canta o chamamé porque o sagrado
nasce em cada passo, não se persegue.
Há quem pesque versos no Taquari.
A rede vem com peixe e palavra.
Há curandeiras: não veem futuro ali,
enxergam agora no voo da arara.
O sul-mato-grossense pressente:
viver não se atravessa.
Se está.
Crepúsculo no Pantanal:
silêncio cheira a capim
e a
E o poeta escuta o tereré
passando de mão
em mão
escreve porque a cultura
não é ponte
é a sede
