O Olhar Crítico de Dom Casmurro: Leitura Progressista da Obra de Machado de Assis
A obra-prima de Machado de Assis, "Dom Casmurro", tem sido objeto de incessantes debates desde sua publicação em 1899. Tradicionalmente vista como uma história de ciúme e traição, esta narrativa oferece, sob uma lente progressista, uma oportunidade de explorar temas sociais e políticos que ressoam até hoje.
Narrativa e Contexto Social
"Dom Casmurro" não é apenas a história de Bentinho e Capitu. É, sobretudo, um retrato das estruturas sociais do Brasil do século XIX, onde as relações de poder são evidentes nas interações entre as personagens. Machado de Assis, um mulato em uma sociedade profundamente racista, utiliza sua obra para criticar, de forma sutil, as desigualdades e hipocrisias sociais.
Capitu: Símbolo de Resistência
Capitu, frequentemente reduzida à figura de uma mulher adúltera, pode ser reinterpretada como um símbolo de resistência feminina. Em uma sociedade patriarcal, onde as vozes das mulheres eram silenciadas, Capitu emerge como uma personagem complexa e autônoma. Sua astúcia e habilidade em navegar pelas normas sociais são uma forma de resistência às limitações impostas a ela.
A Crítica ao Patriarcado
Bentinho representa o patriarcado e suas inseguranças. Sua obsessão com a fidelidade de Capitu revela uma fragilidade masculina que Machado de Assis expõe com maestria. Bentinho é um produto de uma sociedade que não permite a igualdade de gênero, refletindo os medos e ansiedades de um homem incapaz de lidar com a independência feminina.
Interseccionalidade e Classe
Além da questão de gênero, "Dom Casmurro" aborda as diferenças de classe. A trajetória de Bentinho, destinado ao seminário por força da vontade materna, revela as expectativas sociais impostas pela elite. Em contraste, José Dias, o agregado, representa aqueles que vivem à margem, sempre à mercê da benevolência dos mais ricos. Esta dinâmica espelha as tensões de classe que persistem no Brasil contemporâneo.
Machado de Assis: Cronista do Subalterno
Machado, por meio da narrativa irônica e ambígua, se estabelece como um cronista das vidas subalternas. Ele desafia o leitor a questionar a veracidade dos narradores e a reconhecer as complexas camadas sociais que moldam suas histórias. A dubiedade de "Dom Casmurro" é uma ferramenta poderosa que Machado utiliza para provocar reflexão sobre as desigualdades estruturais.
Conclusão
Ler "Dom Casmurro" com um olhar progressista nos permite enxergar além da superfície da trama e reconhecer a crítica social que Machado de Assis tece em sua obra. Capitu não é apenas uma personagem; é um espelho das lutas pelas quais muitas mulheres e grupos marginalizados ainda passam. Assim, "Dom Casmurro" permanece relevante, desafiando-nos a confrontar nossas próprias concepções sobre gênero, classe e poder.
Esta leitura nos convida a repensar o passado e a imaginar um futuro mais justo e igualitário, onde as vozes de todos sejam ouvidas e respeitadas.