Legado Indestrutível de Abdias do Nascimento: Farol na Luta Antirracista Brasileira (por Tácito Loureiro)

Em um 20 de novembro, quando o Brasil celebra o Dia Nacional da Consciência Negra, é imperativo revisitar o legado monumental de Abdias do Nascimento (1914-2011), figura central no pensamento e na luta antirracista brasileira.

Nascido em Franca, São Paulo, Abdias transcendeu a própria época ao desmascarar o mito da democracia racial brasileira. Abdias do Nascimento foi um intelectual multifacetado que, por meio da arte, do ativismo e do pensamento crítico, desvendou as raízes profundas do racismo no Brasil, desafiou narrativas hegemônicas e abrindo caminho para novas formas de pensar as relações raciais.

Em 1944, a fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN) representou uma ruptura histórica. Mais que um projeto artístico, o TEN foi uma ferramenta de conscientização e empoderamento. Pela primeira vez, atores negros protagonizavam as próprias narrativas nos palcos brasileiros, desafiando estereótipos e ressignificando a representação negra nas artes.

O conceito de "quilombismo", desenvolvido por Abdias, permanece atual e revolucionário. Esta proposta político-social preconiza uma sociedade fundamentada nos valores civilizatórios afro-brasileiros, contrapondo-se ao eurocentrismo dominante. O quilombismo, para além da estratégia de resistência, representa um projeto de sociedade que valoriza a ancestralidade africana, a autodeterminação dos povos e a construção de relações sociais mais justas e equitativas.

O quilombismo, para Abdias, não era apenas um retorno às origens africanas, mas a projeção para o futuro. Ele propunha a construção de uma sociedade quilombola como um contraponto ao modelo colonial e capitalista, onde a terra, a cultura e a espiritualidade seriam compartilhadas de forma equitativa. Essa visão utópica, porém concreta, continua a inspirar movimentos sociais que buscam alternativas ao sistema dominante, reafirmando a importância da ancestralidade e da resistência negra.

O trabalho acadêmico de Abdias, especialmente "O Genocídio do Negro Brasileiro", publicado em 1978, antecipou debates contemporâneos sobre racismo estrutural e necropolítica. A obra continua sendo referência fundamental para compreender as dinâmicas raciais no Brasil.

Como parlamentar, Abdias foi pioneiro ao propor políticas de ação afirmativa no Brasil, décadas antes da implementação. As proposições legislativas dele pavimentaram o caminho para conquistas fundamentais, como as cotas raciais nas universidades.

Na academia internacional, durante o exílio durante a ditadura militar, Abdias consolidou-se como uma das principais vozes sobre relações raciais nas Américas, influenciando gerações de pesquisadores e ativistas.

O exílio, embora doloroso, foi um período fundamental para a produção intelectual de Abdias. Longe do Brasil, ele teve a oportunidade de dialogar com intelectuais negros de diversas partes do mundo, aprofundando os estudos sobre a diáspora africana e a luta anticolonial. Ao retornar ao país, trouxe consigo uma visão mais ampla e internacionalista da questão racial, fortalecendo ainda mais a atuação política.

O legado de Abdias do Nascimento ressoa fortemente no atual movimento negro brasileiro. As contribuições teóricas e práticas fundamentam as lutas contemporâneas por equidade racial e reconhecimento da contribuição negra à formação nacional.

Em 2024, quando o racismo estrutural ainda permeia as instituições brasileiras, o pensamento de Abdias oferece ferramentas fundamentais para a construção da sociedade verdadeiramente igualitária. O legado de Abdias não é apenas histórico, mas um programa vivo de transformação social.

Como afirmou em vida: "A luta contra o racismo não é responsabilidade exclusiva dos negros, mas de toda a sociedade brasileira." Esta máxima continua atual e urgente, especialmente neste 20 de novembro, quando refletimos sobre os desafios ainda presentes na construção do Brasil verdadeiramente democrático e antirracista.

Abdias do Nascimento deixou um legado que transcende o tempo: mostrou que a luta antirracista é indissociável da própria ideia de democracia e justiça social. O pensamento e ação dele continuam iluminando os caminhos da luta por igualdade racial no Brasil.

A luta antirracista, hoje, enfrenta novos desafios, como o avanço do conservadorismo e o negacionismo histórico. No entanto, o legado de Abdias continua a ser uma bússola para os movimentos sociais. Ao resgatar a obra e manter viva a memória de Abdias do Nascimento, reafirmamos a importância de continuar a desconstruir o racismo em todas as formas e a construir um futuro mais justo e igualitário para todos.

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