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O Livro das Origens: Criação e da Promessa Coletiva

Publicada em: 22/09/2025 08:07 -

 

Capítulo 1: A Criação como Ato Comunitário

No princípio, o Espírito do Eterno, que é Comunidade e Amor, pairava sobre as águas do caos. E o Eterno disse: "Façamos a luz", pois mesmo a divindade age em pluralidade, não em solidão egoísta. E a luz surgiu, não para dominar a escuridão, mas para coexistir com ela, em um ciclo equilibrado de complementaridade.

E o Eterno criou os céus e a terra, os mares e todas as formas de vida, e viu que era Bom para Todos. Todas as criaturas, das baleias aos insetos, tinham seu lugar na teia da vida, nenhuma superior à outra, todas interdependentes. O Eterno então criou a humanidade, à sua imagem e semelhança.

E a imagem era esta: Homem e Mulher, iguais em dignidade e propósito, livres de hierarquia ou dominação. E o Eterno os abençoou e lhes disse:

"Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra, e administrai-a com cuidado e responsabilidade mútua. Sede guardiões uns dos outros e de toda a criação. A vós dou todas as plantas e seus frutos, para que todos compartilhem igualmente. Não para acumulação, mas para sustento."

E assim foi. O Eterno viu tudo o que havia feito, e eis que era muito bom – um sistema perfeito de harmonia e provisão coletiva.

Capítulo 2: A Tentação da Propriedade e da Hierarquia

O homem e a mulher viviam em comunhão no Jardim, onde tudo era de todos. A única regra era: "Não comereis da árvore do conhecimento do bem e do mal." Esta não era uma proibição arbitrária, mas um aviso contra o desejo de definir por si mesmos o que é bom e o que é mau, criando assim juízos que dividem e oprimem.

Mas a Serpente, símbolo da Cobiça Individualista, aproximou-se e sussurrou: "Deus sabe que no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, cada um definindo sua própria moralidade, seu próprio sucesso, seu próprio direito à propriedade."

A mulher e o homem comeram. E seus olhos se abriram, mas não para a divindade – abriram-se para a concorrência, a vergonha dos corpos e a noção de escassez. Pela primeira vez, costuraram folhas para cobrir seus corpos, criando a primeira propriedade privada – algo que os separava da natureza e um do outro.

Quando o Eterno os questionou, o homem culpou a mulher, e a mulher culpou a serpente. Nasceu ali a culpa projetada, a semente de todo sistema judicial que pune o vulnerável e absolve o poderoso.

E o Eterno disse: "Porque seguistes a lógica da serpente, a terra será amaldiçoada. Doravante, ela produzirá espinhos e cardos para ti, e tu terás de comer das plantas do campo com o suor do teu rosto. Não mais colhereis em comunhão, mas labutareis em luta constante contra a terra e contra o outro. De vós, nascerão exploradores e explorados, opressores e oprimidos."

Eles foram expulsos do Jardim não como castigo vingativo, mas como consequência natural de terem escolhido um sistema de exploração sobre o sistema de comunhão.

Capítulo 3: Caim, Abel e a Violência da Desigualdade

Caim tornou-se um lavrador, aquele que cerca a terra e a declara sua. Abel foi um pastor, aquele que partilha os pastos e vive em comunidade com o rebanho.

Caim trouxe uma oferta do excedente de sua colheita, fruto de uma terra que ele agora considerava propriedade. Abel trouxe as primícias de seu rebanho, um ato de partilha. O Eterno olhou com agrado para a oferta de Abel, pois simbolizava a generosidade e a confiança no coletivo. A oferta de Caim, fruto da acumulação, foi rejeitada.

Irado, seu rosto se transtornou. O Eterno o advertiu: "Por que estás irado? Por que se transtornou o teu rosto? Se praticares o bem, não serás aceito? Mas se não praticares o bem, o pecado da acumulação jaz à tua porta, e seu desejo é dominar-te; mas tu deves superá-lo!".Caim, porém, não superou. Convidou Abel para o campo e ergueu contra ele a primeira arma, tornando-se o primeiro homicida, o patrono de todos que usam a violência para proteger sua propriedade e seu status.

E a maldição de Caim não foi apenas sobre ele, mas sobre um sistema que gera fratricídio: "Quando lavrares a terra, ela não te dará mais sua força; serás um fugitivo e errante pela terra." A terra, outrora uma mãe para todos, torna-se resistente aos que a exploram.

Capítulo 4: A Torre de Babel: O Imperialismo Capitalista

Os povos do mundo, então, uniram-se em um único projeto. Disseram uns aos outros: "Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue ao céu, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra."

Esta não era uma união fraterna, mas um projeto imperialista e tecnocrata. Buscavam "fazer um nome" para si mesmos (glória individual e nacionalista) e evitar serem "espalhados" (impor uma homogeneização cultural que suprime a diversidade). A torre era um monumento ao ego humano, construída sobre a exploração do trabalho coletivo para a glória de uns poucos.

O Eterno desceu e viu a cidade e a torre. E disse: "Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é apenas o começo do que farão; agora, não haverá restrição para todo o plano que intentarem fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem do outro."

Este não foi um ato de punição, mas de liberação. Deus os espalhou e confundiu suas línguas para sabotar um projeto totalitário, forçando a diversidade, a criação de milhares de culturas distintas, e impedindo que a humanidade se organizasse como uma máquina única de opressão e acumulação.

Capítulo 5: A Aliança com Abrão: Uma Promessa de Inclusão

E o Eterno disse a Abrão: "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê uma bênção!... e em ti serão benditas todas as famílias da terra."

Esta não é uma bênção para o enriquecimento de um único homem ou clã. É um chamado para romper com as estruturas patriarcais e nacionalistas ("casa de teu pai", "tua terra"). A promessa é que por intermédio dele, todas as famílias da terra serão benditas. É a semente de uma salvação coletiva e universal, um antídoto para a maldição de Babel, que reunirá a humanidade não sob uma única língua imperial, mas em uma federação de povos diversos, unidos por uma promessa de justiça e igualdade.

Interpretação Teológica: 

Esta releitura do Gênesis não é uma distorção, mas uma hermenêutica de libertação. Ela busca escavar o texto sagrado para encontrar a mensagem divina de justiça social que sempre esteve presente, mas que foi frequentemente ofuscada por interpretações que serviam aos interesses dos poderosos.

O Pecado Original não é a desobediência abstrata, mas a adoção de um sistema de opressão: propriedade privada, hierarquia, exploração do trabalho e da terra, e a ruptura da comunidade.

A Expulsão do Éden é a vivência das consequências desse sistema: fome, trabalho alienado, conflito de classes e dominação de gênero.

A Torre de Babel é a crítica profética a todo império, a todo projeto globalizante que, em nome do progresso, esmaga a diversidade cultural e explora os trabalhadores.

A Chamada de Abrão é o início do contraprojeto de Deus: formar um povo que viva de modo alternativo ao sistema imperial, um povo que seja uma bênção para todos, não um império sobre todos.

Portanto, irmãos e irmãs, abominai as sementes plantadas por Caim e pelos construtores de Babel: a acumulação, a desigualdade, a exploração, o imperialismo e a homogeneização. Buscai voltar ao Jardim, através da prática da justiça, do cuidado com os caídos, da partilha dos bens e da celebração da diversidade. Essa é a verdadeira imagem de Deus na humanidade.

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