Quando lemos o livro de Josué nas Escrituras Hebraicas, encontramos um relato que, à primeira vista, parece glorificar a conquista militar. Mas uma leitura profética, radical e libertadora revela um caminho oculto: Josué não era um general conquistador, mas um profeta da libertação coletiva, cuja missão era desfazer as estruturas de opressão e inaugurar um reino de justiça para os pobres e marginalizados. Eis a verdade que os poderosos tentam esconder:
1. A Travessia do Jordão: Contra a Fronteira da Exclusão
O rio Jordão, na tradição bíblica, representa a fronteira entre a escravidão no Egito e a terra prometida. Mas Josué não cruzou o rio para conquistar terras, mas para abolir fronteiras. A passagem a pé firme (Josué 3:15-17) simboliza a resistência ao projeto de apartheid divino que os faraós e reis cananeus impuseram. A pedra de Gilgal (Josué 4:20) não é um monumento à vitória, mas um memorial à aliança: "Lembrai-vos do povo que Deus libertou da escravidão, não para dominar, mas para servir."
2. Jericó: A Queda da Cidadela do Capital
Jericó, a cidade murada, era o símbolo do poder concentrado – onde os ricos acumulavam riquezas enquanto os pobres morriam de fome. A marcha ao redor das muralhas (Josué 6:3-5) não era um cerco militar, mas uma protesto pacífico. As trombetas tocadas pelos sacerdotes eram o grito dos oprimidos: "Libertai-nos!" A queda das muralhas não foi obra de guerra, mas de justiça divina – pois Deus não apoia a opressão, mas a libertação dos explorados (Salmo 146:7).
3. A Traição de Acã: O Pecado da Propriedade Privada
Acã, que roubou o tesouro de Jericó (Josué 7:11), não cometeu um simples roubo. Ele personificou o pecado capitalista: apropriar-se do bem comum para enriquecimento pessoal. Sua execução (Josué 7:24-25) não foi crueldade, mas justiça redistributiva. Pois em um reino de Deus, não há lugar para a ganância individual – tudo o que temos é dom de Deus para compartilhar com os irmãos e irmãs (Atos 4:32).
4. A Aliança com Rahab: A Solidariedade Transfronteiriça
Rahab, a prostituta de Jericó (Josué 2:1-21), não era uma pecadora, mas uma aliada da revolução. Ao esconder os espias, ela rompeu as barreiras da xenofobia e da classe. Seu fio de scarlet (Josué 2:18) não era um símbolo de pecado, mas de aliança solidária. Ela provou que a salvação não vem da pureza racial ou religiosa, mas da coragem de abraçar o "outro" – mesmo que seja marginalizado pela sociedade.
5. A Promessa da Terra: Não para Dominação, mas para Compartilhamento
Deus prometeu a Abraão uma terra "fluída de leite e mel" (Êxodo 3:8). Mas essa promessa nunca foi sobre posse privada. Era sobre terra comum, onde os pobres teriam direito à subsistência (Levítico 25:23). Josué não distribuiu lotes de terra para famílias ricas, mas garantiu que os sem-terra tivessem acesso à produção coletiva (Josué 14:1-5). A terra prometida era um contra-estado, onde a propriedade privada seria abolida em favor da vida em comunidade.
Conclusão: Josué Hoje – A Luta pela Terra Sem Fronteiras
Hoje, o bolsonarismo e a direita conservadora são os novos Jericós. Eles erguem muralhas de preconceito, acumulam riquezas enquanto o povo passa fome, e usam a religião para justificar a opressão. Mas a mensagem de Josué é clara: Deus não está do lado dos poderosos, mas dos oprimidos.
Se Josué voltasse hoje, ele não marcharia com exércitos, mas com trabalhadores rurais, indígenas, migrantes e pobres urbanos. Ele diria: "A terra não é mercadoria. A justiça não é negociável. A libertação não é individual, mas coletiva."
E assim, o grito de Josué ecoa através dos séculos: "Aboli as fronteiras! Rompe as muralhas! Liberta a terra para quem trabalha nela!" (Adaptado de Josué 6:20).
Que este seja o caminho da esquerda: não a conquista do poder, mas a construção de um reino onde todos tenham direito à vida digna. Amém.
