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Para uma Ontologia da Consciência Histórica: Fundamentos de uma Nova Filosofia Social

Publicada em: 01/10/2025 08:38 -

 

Há momentos na história do pensamento em que uma teoria nascente precisa dar um passo decisivo: abandonar o terreno nebuloso da inspiração e afirmar-se como arquitetura conceitual rigorosa. Estamos nesse ponto. O tríptico anterior — Dinâmica Consciencial, Era Pós-Consciencial e Despertar da Consciência Crítica — abriu trilhas luminosas, mas ainda corre o risco de se dispersar em metáforas. Cabe agora erguer o quarto pilar: uma ontologia sólida da consciência histórica, capaz de sustentar uma filosofia social nova e, sobretudo, verificável na práxis coletiva.

1. A consciência como dimensão ontológica irredutível

A primeira exigência é distinguir claramente três planos:

Matéria: o dado energético e físico do real.

Símbolo: a linguagem, os códigos, os sistemas de sentido que estruturam a experiência.

Consciência: a reflexividade que percebe, imagina, interroga e transcende tanto a matéria quanto o símbolo.

Não se trata de hierarquia rígida, mas de co-emergência. A consciência não é sombra da matéria, nem projeção do símbolo: é uma dimensão ontológica irredutível, com causalidade própria. Esta tese evita o reducionismo materialista e o idealismo espiritualista — ambos insuficientes — e afirma a necessidade de uma terceira via.

2. O problema da mediação

Agora, propomos um conceito-chave: campos de mediação. A consciência não atua diretamente sobre átomos ou moléculas, mas por meio de estruturas simbólicas e institucionais. Assim, a causalidade consciencial se manifesta via:

Neurocircuitos plásticos (a biologia é moldada pelo exercício reflexivo);

Redes linguísticas (palavras e narrativas que reorganizam o imaginário coletivo);

Instituições permeáveis (estruturas sociais capazes de incorporar novos valores).

A consciência age, portanto, quando traduz a intencionalidade em símbolos partilhados e em práticas que modulam tanto o corpo quanto o tecido social. Esse é o mecanismo pelo qual o “imaterial” se enraíza no “material”.

3. O estatuto histórico da consciência

Se a consciência tem causalidade própria, ela também tem historicidade. Propomos o conceito de consciência histórica: um patamar coletivo de reflexividade que não se reduz à soma das consciências individuais.

No mundo antigo, predominou a consciência mítica, que fundava a ordem social em narrativas de origem.

Na modernidade, emergiu a consciência crítica, capaz de questionar dogmas e fundar a ciência.

Agora, desenha-se a consciência pós-consciencial: aquela que percebe não apenas objetos ou ideias, mas o próprio ato de perceber como fator histórico.

Essa nova etapa implica reconhecer que a consciência não é apenas reflexiva, mas produtiva da própria realidade histórica.

4. Critério ético-político: contra o elitismo da consciência

Um risco sempre ronda teorias da consciência: a tentação elitista, segundo a qual apenas alguns “despertos” deteriam o acesso privilegiado à verdade. É necessário repudiar tal perigo.

A ontologia da consciência histórica é inclusiva: todo ser humano é portador de potência consciencial, ainda que em graus diversos de ativação. O projeto filosófico não deve criar aristocracias espirituais, mas redes de intensificação mútua, nas quais a consciência se expande pelo encontro, pelo diálogo e pela prática comunitária.

Assim, o critério ético fundamental é: toda política consciencial deve ampliar a capacidade reflexiva de todos, não de poucos.

5. Práxis transformadora

Se a consciência tem causalidade, sua prova está na prática. Três frentes de atuação se abrem:

1. Educação da reflexividade: não apenas transmitir conteúdos, mas formar a capacidade de pensar o impensável, de imaginar alternativas radicais.

2. Instituições reflexivas: espaços permeáveis à crítica e à autotransformação — universidades, parlamentos, coletivos culturais.

3. Economia da atenção solidária: em vez da captura mercantil do tempo de vida, redes cooperativas de cuidado e produção simbólica.

Esses são os lugares onde a consciência histórica pode se tornar força objetiva.

6. Conclusão: a fundação de uma nova filosofia social

Os três artigos anteriores anunciaram a emergência de um paradigma. Este quarto artigo busca dar-lhe coluna vertebral. A consciência não é fantasma, mas dimensão ontológica; não é epifenômeno, mas motor histórico; não é privilégio, mas destino compartilhado.

A tarefa filosófica agora é construir instituições, metodologias e indicadores que permitam avaliar o avanço da consciência histórica na sociedade. Só assim a teoria deixará de ser especulação e se tornará prática transformadora.

O século XXI não será apenas tecnológico ou econômico: será, acima de tudo, o século em que a humanidade decidirá se a consciência é simples reflexo ou se é, de fato, a própria matéria da história.

📌 Pergunta ao leitor:

Você aceita que a consciência não é apenas privada, mas histórica, e que cada gesto de lucidez é também um ato político de transformação coletiva?

 

Veja os artigos anteriores desta série:

Primeiro artigo: 

https://webradiojave.com/post/196207/tratado-sobre-a-dinamica-consciencial-para-alem-da-dialetica-material

 

Segundo artigo:

https://webradiojave.com/post/196280/a-era-pos-consciencial-para-alem-da-dialetica-e-da-materia

 

Terceiro artigo: 

https://webradiojave.com/post/196400/o-despertar-da-consciencia-critica-fundamentando-ontologicamente-uma-nova-teoria-social

 

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